E finalmente, quase duas semanas depois, o Presidente da República dirigiu-se ao burgo. Foi confuso, controverso e contraditório. Assumiu um registo que não é de todo presidencial, lançou a confusão e fomentou a instabilidade. Em resumo, personificou a antítese de... um Presidente da República.
Quanto aos conteúdos, o que dizer? Desconcertante e demagógico, no mínimo. O momento alto: assumir algo que qualquer estudante de informática tem como facto adquirido, que qualquer computador é vulnerável a um ataque e que é possível espiar o e-mail alheio. Ridículo, no mínimo, que um PR gaste tempo de antena num desabafo que só o fragiliza. Em relação aos restantes 11 minutos da intervenção, Cavaco procurou afastar-se da questão das escutas e lançou novas achas para a fogueira, atacando abertamente o executivo de Sócrates. Quando se caminha para a indigitação do novo executivo, tal atitude é no mínimo suspeita e irresponsável.
E o que dizer quanto ao timming do comunicado? Com o fundamento de que não queria prejudicar as eleições, Cavaco Silva atrasou a reacção às notícias de escutas. Ao fazê-lo num momento em que as relações entre São Bento e Belém são tudo menos cordiais, deixou claramente a suspeição no ar, o que acabou por ser um ataque passivo ao anterior executivo. Ao dirigir-se ao burgo durante a corrida às autárquicas, Cavaco Silva volta não só a atacar a equipa de Sócrates como procura, em simultâneo salvar a cara.
Na perspectiva do VM, que acha esta história toda muito mal contada, existem duas versões base possíveis:
1. O PR montou uma estratégia com o seu assessor de à 20 anos para atacar Sócrates. A estratégia explodiu-lhe na cara e, ao invés de auxiliar o PSD, ficou com um grave problema ao colo.
2. O PR efectivamente não teve conhecimento do caso "Escutas de Belém". Dada a relação com Fernando Lima, afasta-o apenas das funções de assessor e procura junto do staff da sua casa civil respostas para o surpreendente cenário.
Seja qual for o caso, o PR tinha necessariamente de ser objectivo nas suas declarações e não o foi. Quanto às suspeitas, estas deveriam ser imediatamente endereçadas à justiça. É estranho que toda esta narrativa não resulte numa investigação séria e não envolva uma entidade como a Procuradoria da República. O VM ficará atento aos novos desenvolvimentos e deixa no ar a seguinte dúvida: "Mas porque carga de água é que alguém iria colocar escutas em Belém??!!"
Nos entretantos, o VM encontrou, via Twitter, sete questões pertinentes colocadas pelo dirigente socialista Ascenso Simões, membro do anterior governo e do Secretariado Nacional do PS, ao próprio PR:
Pg. 1 - Alguém desconhece que a notícia de um jornal sobre a participação de assessores do PR foi colocada no site do PSD?
Pg. 2 - Que razão leva a que se diga "tem algum mal que assessores participem em actividades partidárias"? Tinham autorização!!!
Pg. 3 - Fala-se de acesso a mails da Presidência... alguém ouviu falar disso? Só tinha visto mails do Público!!!
Pg. 4 - O Sistema de Segurança da PR é ou não autónomo? Não há controlo e limitação de acesso??
Pg. 5 - É dito que fez arranjos na Casa Civil - Mas qual foi a razão? Foi além da chinela? e não foi demitido?
Pg. 6 - Será que se o caso fosse grave não deveria ter havido reunião do Conselho de Estado?
Pg. 7 - Não ouve hoje uma tentativa de justificar, por outrem, uma derrota eleitoral?
"Isto com o Magalhães não teria acontecido..."